quarta-feira, 28 de julho de 2010

Reportagem: Muse - Os senhores do Universo




Não são estreantes no Rock In Rio Lisboa, onde estiveram há dois anos. Agora, o trio leva o enredo «conspirativo» de The Resistance para um palco em constante movimento, com plataformas elevatórias, lasers, balões gigantes… Tudo porque as intenções, dizem eles, sempre foram megalómanas. Mário Rui Vieira conta como, em apenas dez anos, a banda de Matt Bellamy se tornou uma das melhores do mundo.

São grandes em (quase) todo o mundo – os Estados Unidos só agora começam a reparar na sua existência – e cada vez maiores em Portugal. Os britânicos Muse, oriundos da pequena cidade de Teignmouth, no Sudoeste da Inglaterra, têm regresso marcado a Lisboa e ao Palco Mundo do Rock In Rio, onde actuarão como cabeças de cartaz do terceiro dia do festival. Há dois anos, na terceira edição do evento, subiram ao palco antes dos Offspring e dos Linkin Park. Com cinco álbuns de originais, mais de oito milhões de discos vendidos em todo o mundo e uma série de prémios a legitimar o seu sucesso, os Muse já não precisam de se justificar para encabeçar um festival.

«Estar numa banda rock é um acto de rebeldia» Dominic Howard á revista Q

O percurso dos Muse em palcos portugueses é revelador do crescente sucesso desde que a banda se estreou com o álbum Showbiz em 1999. Depois de uma actuação no festival Ilha do Ermal em 2000 (ao lado de nomes como Deftones, Limp Bizkit ou Blind Zero) Matthew Bellamy e companhia regressaram em 2002 para um concerto «familiar» mas explosivo na Aula Magna, em Lisboa. Desde então, a banda tem voltado para actuar em festivais – no Sudoeste tocaram também em 2002; subiram ao palco do Super Bock Super Rock em 2004; e em 2008 actuaram então no Rock In Rio Lisboa – mas também para alimentar uma relação íntima com os fãs em nome próprio: em 2006, a Praça de Touros do Campo Pequeno acolheu-os e já no final de 2009 esgotaram por completo a lotação do Pavilhão Atlântico, em Lisboa.

Já com The Resistance, o mais recente álbum de originais, na manga, os Muse encheram a sala do Parque das Nações de raios lazer, muita cor, efeitos luz, balões gigantes e plataformas elevatórias. Como a Blitz escreveu na reportagem do concerto: «A componente visual dos espectáculos do trio de Teignmouth, à qual sempre foi dada a devida atenção, está mais aguçada que nunca, com as teorias da conspiração que o líder Matthew Bellamy tanto gosta a reflectirem-se nela. Feixes de laser e um esquema de luzes que deixa qualquer um como um burro a olhar para um palácio, ajudam a construir um ambiente perfeito de tensão extasiante».



Tudo para dar uma nova dimensão às canções conspiratórias de um álbum que os fez quebrar de vez a barreira que os separava do sucesso nos Estados Unidos (subiram a um honroso terceiro lugar na tabela de vendas e um pouco por todo o mundo – Reino Unido, Austrália, França e Irlanda são apenas alguns dos países – o álbum escalou até ao topo). O espectáculo apresentado em Lisboa em Novembro passado não deverá ser muito diferente daquele que a banda trará ao Palco Mundo do Rock In Rio: as canções de The Resistance terão com certeza um lugar de destaque, com «Uprising», «Resistance» e «Undisclosed Desires» a ameaçarem tornar-se pontos altos da actuação, sem esquecer no entanto, os grandes sucessos do passado, como «New Born», «Supermassive Black Hole»,«Hysteria»,«Plug In Baby» ou «Time Is Running Out», tudo canções que deixaram o Pavilhão Atlântico ao rubro.

«Eu não queria (ser o líder), mas não conseguíamos encontrar outra pessoa. Sou um líder algo relutante» Matthew Bellamy á revista Q

Eles nunca quiseram ser os Nirvana…ou quiseram?

Matthew Bellamy, líder incontestado dos Muse, tem música a correr-lhe nas veias. O músico é filho de George Bellamy, guitarrista dos Tornados, banda britânica que fez sucesso nos anos 60 e acabou por se tornar responsável por um feito notável: foi o primeiro projecto britânico a chegar ao primeiro lugar da tabela de singles norte-americana – com o tema instrumental «Telstar», em 1962. O músico acabaria por se retirar da música, mas incutiu sempre no filho um gosto pela música, encorajando-o a aprender a tocar piano ainda em tenra idade. Apesar de ainda hoje se atirar de vez em quando aos teclados, a guitarra tornou-se o instrumento de eleição de Matthew Bellamy desde o divórcio dos pais, durante a sua adolescência.Como o músico explicou á revista norte-americana Rolling Stone em 2009: «Tenho a certeza de que isso teve algo a ver com o meu pai. Sentia a falta dele e virei-me para a guitarra». «Telstar», o tal tema que marcou o percurso dos Tornados, reflecte também segundo o músico, algumas influências que a música do pai teve nas suas composições, nomeadamente em «Knights Of Cydonia», tema que encerra o álbum Black Holes & Revelations, de 2006, «[“Telstar”] ainda se destaca como música bastante invulgar, especialmente para a época em que saiu. Sempre pensei que ser inovador, fora do comum, era uma coisa boa», confessa Bellamy. O objectivo é, portanto, conseguir suplantar a conquista dos Tornados: «Estranhamente, o meu pai acha que consegui safar-me bem melhor, em termos de sucesso, Se conseguir levar um álbum ao número um dos Estados Unidos, ficamos verdadeiramente quites».

Muito antes de se tornarem uma banda de culto, no inicio dos anos 90, os três elementos dos Muse conheceram-se enquanto frequentavam o Teignmouth Community College. Apesar de, em 2000, em entrevista á Blitz, o baixista Chris Wolstenholme ter assumido que entre as bandas que ouviram «e que mais marcaram a música que fazemos agora» se encontravam os Smashing Pumpkins e os Nirvana, nenhum dos três elementos queria, nas bandas que formaram durante o percurso na escola secundária, soar aos Nirvana. Foi, de resto, isso que nos uniu. «Estar numa banda rock era um acto de rebeldia na altura», recordava o baterista Dominic Howard em entrevista á revista Q no ano passado. «Toda a gente gostava muito de música de dança e rap. Mas no mundo do rock havia uma grande resistência quanto a testar novas ideias».



No período em que andaram no Teignmouth Community College , Wolstenholme fez parte de um projecto intitulado Fixed Penalty, Bellamy emprestou a sua guitarra a sua guitarra aos Carnage Mayhem, mas Howard conseguiu puxá-los para a sua banda, os Gothic Plague. «A minha banda era bem mais cool, portanto o Matt deixou a dele para se juntar a mim», disse o baterista à revista Q. Foi nessa primeira banda que Bellamy começou a esboçar uma liderança apoiada nas vocalizações e escrita de canções. «Eu não queria, mas não conseguíamos encontrar outra pessoa. Ficou comigo aquela sensação de ser um líder algo relutante», explica Bellamy.

E como nasceram então os Muse? Em 1994, o trio venceu um concurso de bandas local, com o nome de Rocket Baby Dolls, e decidiu que queria levar a música mais a sério. «Começávamos a ver todos os nossos amigos a caminho da universidade e nós continuávamos aqui sem fazer nada. Sentimos necessidade de arranjar algo para nos entretermos», explicou Wolstetnholme à Blitz seiis anos depois da vitória dos Baby Dolls. A amizade, essa manteve-se uma constante até hoje: «Obviamente que já tivemos algumas brigas, mas conseguimos encontrar um bom equilíbrio. Ainda conseguimos ver-nos uns aos outros como éramos antes de ser puxados para este ambiente. Penso que isto significa que a nossa amizade é intocável», confessou Bellamy à Q, em 2007.

A escalada até ao topo

Depois de alguns anos a tocar em cidades como Manchester ou Londres, os Muse editaram finalmente o primeiro EP, homónimo, em 1998. Pouco menos de um ano, e já com contrato assinado pela editora Taste Media, a banda lançava um segundo registo: em pouco mais de 20 minutos apresentavam um cartão de visita que lhes garantiria, poucos meses depois, a edição do primeiro longa-duração, Showbiz. «Uno», «Unintended» e «Muscle Museum» fizeram parte do EP Muscle Museum e seriam todas editadas como single do álbum de estreia, com os dois últimos temas e captarem atenções quer nas rádios britânicas quer nas de outros países europeus. Curiosamente, foi nos Estados Unidos que uma grande editora primeiro apostou neles – a Maverick Records, fundada por Madonna e pertença da Warner abriu-lhes as portas para novos contratos com distribuidoras um pouco por toda a Europa.

O sucesso relativo a Showbiz, que conseguiu atingir galardões de ouro no Reino Unido e Austrália, veio também acompanhado de críticas depreciativas: acusavam-nos, principalmente, de se colarem a um registo semelhante ao dos então já bem estabelecidos Radiohead. O trio permaneceu fiel aos seus objectivos e subiu mais uns degraus em direcção à conquista de um lugar no mundo do rock com Origin of Symmetry, disco de 2001 que chegaria ao terceiro lugar do top de vendas britânico, muito por culpa dos bem sucedidos singles «Plug In Baby» e «New Born». Foi também neste segundo longa-duração que a banda deixou antever um futuro marcado pela experimentação de sonoridades e diferentes estéticas, apostando na utilização de órgãos de igreja e outros teclados. Bellamy começava também a experimentar técnicas mais arrojadas de guitarra, citando como grandes influências nomes como Jimi Hendrix ou Tom Morello, dos Rage Against the Machine. O homem que dava a cara pela banda ver-se-ia responsabilizado pela não edição do segundo registo do lado de lá do Atlântico, isto porque se recusava a aceder aos pedidos da Maverick para refrear os falsetes que, apesar de começarem a tornar-se imagem de marca, na opinião da editora não eram «radio-friendly» (o disco só ficaria disponível nos Estados Unidos quatro anos depois).

Em 2003, saía para as lojas Absoluition, álbum que lidava pela primeira vez com temáticas políticas que são exploradas de forma frontal em trabalhos mais recentes. O disco estrearia a banda no topo das vendas de álbuns britânicas (e francesas também) e garantia-lhes com «Time Is Running Out» o single de maior sucesso até à época – só ultrapassado, três anos mais tarde, por «Supermassive Black Hole». Black Holes & Revelations, o quarto longa-duração, saiu para as lojas em 2006 e tornou-se o primeiro a colher entusiasmo generalizado por parte da crítica -  chegou a ser nomeado para o reputado Mercury Prize, mas o prémio fugiu das mãos dos Muse para as do novatos Arctic Monkeys. O já mencionado «Supermassive Black Hole», «Starlight» e «Knights of Cydonia» seriam os singles mais bem-sucedidos de um disco que alcançou a dupla platina em território britânico.

O rock é demaisado recente para se dizer que os Beatles e os Rolling Stones não podem ser ultrapassados» Matthew Bellamy à Spin



Megalomania: primeiro o mundo, depois a América
A voz crítica de Bellamy foi-se aprimorando ao longo da carreira discográfica dos Muse. Se no primeiro álbum a banda estava muito concentrada em si própria, em Origin of Symmetry já mostrava alguns sinais de abertura e em Absolution e Black Holes & Revelations a geopolítica tornou-se um dos temas de eleição do músico (ouçam-se «Apocalypse Please» do primeiro ou «Exo-Politics» do segundo e veja-se também o teledisco de «Time Is Running Out»). Em 2009, ao quinto álbum de estúdio, o trio voltou a arriscar com um conceptual The Resistance, primeiro a ser produzido pela própria banda, que não só aposta em orquestrações sumptuosas como tem a ousadia de usar coros que eram uma marca distintiva da sonoridade dos Queen.

«Queremos ser recordados como uma das melhores bandas da história do rock», disse Bellamy à revista norte-americana Spin aquando da edição do quinto álbum de estúdio, reconhecendo logo de seguida que para isso era necessário vingar de forma sustentada nos Estados Unidos. O álbum ascendeu ao terceiro posto da tabela de vendas norte-americana, tornando-se o maior sucesso do trio do outro lado do Oceano Atlântico.

Depois de anos a tentar, a porta de entrada dos Muse em Terras de Tio Sam escancarou-se muito por culpa de dois factores que lhes são, de certa forma, externos: os irlandeses U2 convidaram-nos para assegurar as primeiras partes da digressão norte-americana em 2009 e uma das escritoras da moda, Stephenie Meyer (autora da história de vampiros Crepúsculo) apontou-os como grande fonte de inspiração – como consequência, a banda acabaria por participar nas muito bem sucedidas versões cinematográficas da saga literária de Meyer. Sobre a experiência de assegurar as primeiras partes dos concertos da banda de Bono Vox, Matthew Bellamydisse apenas que os tinha feito descer à terra: «Lembra-nos de que estamos a sair-nos bem, mas não tão bem quanto eles», disse o músico à Rolling Stone.

Aquilo que os Muse querem conquistar com The Resistance é algo que nunca esconderam: ser uma das maiores bandas do planeta, sem falsas modéstias. O álbum que Bellamy descreve à revista britânica Q como «o culminar de tudo o que nós sabemos sobre música, cada estilo que alguma vez tocámos e cada ideia que alguma vez tivemos» constitui, no plano da banda, um passo de gigante nesse sentido.



Nomes intocáveis não existem para o cantor e guitarrista, que não se sente minimamente amedrontado com os grandes ídolos do rock: «Há uma “fetichização” do passado. O rock é demasiado recente para se dizer que os Beatles e os Rolling Stones não podem ser ultrapassados. Puramente em termos sonoros, podem. Se os Beatles estivessem por aí hoje, estariam a fazer o que nós estamos a fazer e a trabalhar com a mesma tecnologia de ponta», desabafa em declarações á Spin. De língua bem afiada, o músico critica também outras bandas que não lhe merecem respeito, «Não vou dizer agora nomes, mas olho à nossa volta e vejo uma data de pessoas que encaram a música como um hobby. Nós passamos meses em estúdios e fazemos digressões de anos. As pessoas não estão a viver para isto como nós estamos. Não é uma questão de vida ou de morte para elas». 

Viver para respirar música parece ser o lema dos Muse e bastará vê-los ao vivo e a cores, num espectáculo que promete ser inesquecível no Palco Mundo do Rock In Rio Lisboa, para continuar isso.

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